Anisio Medeiros - Nos Idos da FAU-UFRJ- série#1, por Nicolas Rouquette
Fui ao Rio resolver assuntos de família. Era dia de São Jorge, 2003. Revi uma pessoa da FAU-UFRJ, que me deu a notícia da morte recente do Anísio Medeiros. Ele era mais que figura; era figuraça. Fui sua aluna em 1973, Desenho Artístico I (lápis, geometria) e Desenho Artístico II (cor: aquarela, pastel, cera pastel.) Anísio era amado ou odiado; nunca ouvi meio-termo. Sarcástico, ferino, sovina nos sorvidos elogios infrequentes aos nossos trabalhos, mordaz na crítica ao movimento estudantil, também foi o primeiro que não quis me chamar de Oiticica, sina dos que têm o sobrenome ilustre das Alagoas :P)). Chamava-me de Tina Harris e mais: converteu-me em uma espécie de musa do desenho artístico a lápis. (Já que era fraquinha no preto e branco.) Virei modelo.
--Não podemos começar a aula sem Tina Harris. -- Batia o pé e pronto.
Nos meus dias pré-professora USA, sempre atrasada então, com roupas escalafobéticas, tipo filmes de Tim Burton, posava e batíamos papo.
Lembrei-me disso hoje, ainda agora, quando tomava meu café da manhã/almoço/natureba. (Desculpem o atraso do blog. Estamos a menos seis horas do horário de Brasília.) Tentei alugar o filme Macunaíma, baseado no livro Macunaíma; não havia. Consegui o Bye Bye Brazil. (que pobreza as referências à arte brasileira na Net.) Anísio Medeiros, mãe, mesmo que malvada, de seus queridinhos, do Piauí, talvez com certo carinho pelos alagoanos e desprezo por essas baboseiras de sobrenome famoso. Daí, Tina Harris. A cor, em cera pastel, pastel ou aquarela, foi meu triunfo perdido nos arquivos da FAU-UFRJ, porém bem aprendida. Passei com dez, sem nenhuma das minhas provas comigo. Vocês acreditam?
Anísio zoava a política em sua seriedade ortodoxa. Não sabia até uma lida rápida na wikipedia que ele também foi da política. Zoava os puxa-sacos, os hispanos, ricos e pobres, não deixou pedra sobre pedra. Porém, enquanto a FAU-USP pode ter tido seus dignatários, modernos e estilosos, nesta era 73-78, a FAU-UFRJ teve grandes nomes, medalhões da arquitetura ou da arte brasileira. L.P.Conde, meu professor de planejamento urbano, enfrentou um arquiteto de renome por princípios de liberdade criativa. Conde tinha idéias de planejamento inovadoras; mandou seu recado bem. Joca Serran, morto em acidente trágico aos 36 anos, sonhava com planejamentos paisagísticos e urbanos abertos à imaginação do estudantado. Alfredo Britto, de história da arquitetura, meu "muso caboclo," com olhos amarelos, meio temperamental, de tudo sabia. Nora Rónai, não dava sopa, era professora medalhão de geometria descritiva, meu amor masóqui pois me reprovou. Maurício Houaiss, era o professor de cálculo I e II. Não sei o que defendiam politicamente e não importa. A FAU-UFRJ de 1973-78 foi o máximo dos máximos e Anísio Medeiros a estrela-mór desta constelação. Anísio gostava de contar dos truques usados para fazer a feijoada de Macunaíma, por exemplo: pedaços de esponja imitavam carne, anilina negra era feijoada na piscina do Parque Lage; dos detalhes da cabeleira maravilhosa da Betty Faria, feita de luzes de árvores natalinas, no Bye Bye Brasil. Cada detalhe cênico ou artístico vinha acompanhado de comentários pessoais dispensáveis ao meu relato aqui.
Cada filme em que Anisio Medeiros, casado e pai de filho, era ou cenógrafo ou diretor artístico, ou figurinista, a gente via rapidinho pelos detalhes importantes para nossas carreiras depois de formados ou para nosso acervo de buxixos (fofoquinhas.)
Hoje conversei até cair a linha com esta pessoa que me contou um pouco, no dia de São Jorge, em 2003, da morte do Anísio. Estava eu no Rio a assuntos de família, para variar, pois há viagens e viagens, nem sei onde li isso. O que sei é que Anisio enriqueceu o folklore da FAU-UFRJ sem ser fofo Caetano. Víbora, cascavel, mito dos que o conheceram, sua memória perde-se no pó das gerações que confundem a Tropicália de 1968 com a Semana de 22. Faço a digestão de um almoço/café natureba/vegetariano, pasmen, comedido: bacon, linguiça, ovos, panqueca, café, morangos e grapefruit, tudo natureba sem carne. Tinha lido sobre o tal do Capitão Nascimento no Orkut e não resisti para comentar sobre aquele que não é fofo como o Caetano e que teria a idade da minha mãe, o grande artista, cenógrafo, arquiteto, figurinista, genial, meu grande professor sobre cores ( o rosa colonial é terracota mais branco) Anisio Medeiros. Que estenda suas asas de carcará sobre nós.
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