A controvertida mulher que foi minha mãe, por Nicolas Rouquette
Vou dar a notícia aqui de uma vez, antes que o ti-ti-ti assole a coleção de blogs que há no país. Maldita seja este tal de mal de Alzheimer. Peço a vocês, bem no estilo gringo que me poupem cartões, telefonemas, queria morrer mas tenho os meus filhos para criar. Por motivos kármicos bestas, sou contra o direito ao suicídio.
Minha mãe sempre detestou presente de bouquet de flores. Dizia que eram para os defuntos. Gostava mesmo de tirar mudinhas dos jardins da rua ou de cemitérios.
Se fosse acreditar nela, nasci do Espírito Santo; aquela coisa horrososa, não é nada como nas estátuas. Homem é feio mesmo, tirando o Brad Pitt, que acorda de manhã bate no peito e diz -- Sou o Brad Pitt! Essa é do Craig Fergusson.
Zefa, Zefina, Jo Harris aqui, apaixonada pelo cinema, poligrossa e poligota, era tradutora dos mapas históricos no Palácio Itamaraty. Palavrão só o merda e shit, shit, shit, já idosa, quando a mandávamos voltar para o seu quarto. Dizia que ia ficar nele, "Bye, bye!" Voltava para a mesa, contudo.
Foi uma das primeiras advogadas na Universidade do Brasil, junto com Clarice Lispector, Rogério Marinho, sim daquela família Marinho, Alziro Zarur, que para mim parecia o que veio a ser o movimento evangélico no Brasil, Zarur, que tinha um programa de rádio e distribuía a sopinha do Zarur.
Mommy nasceu em Alagoas, foi despachada para um colégio interno em Fortaleza, onde viviam seus avós maternos. Bagunceira com seus pertences, as freiras a puseram na boca de um dragão aos pés da Virgem. Não sei se por teimosia ou disciplina auto-imposta. Segundo meu tio e padrinho ela ficou assim "ruim da cabeça" por ter estudado demais. Eu também, meu tio, eu também.
Teve alguns amores platônicos, comprava roupas baratas na "Orlontex" nunca em vermelho ou "cores de empregadas." Depois a "Orlontex" virou "Seleções Modas." Cuidou do meu pai, outro ir(responsável), a gente escolhe mesmo que nem Édipo, até o fim.
Gostava de se gabar quando havia visitas de cartógrafos internacionais. Chegava em casa gloriosa e dizia:
-- Achatei! Caguei no crânio!
Fugiu da casa dos meus avós americanos. Foi para o sindicato avisar ao meu pai e de lá NYC. Tinha endomitriose, diziam que ela era histérica. Foi operada quatro vezes, teve suas duas filhas com meio ovário, nasci de placenta prévia, um dos muitos dramas de sua vida.
Pensei que a salvaria para sempre quando a importei pra cá em 3 de novembro de 1991. Dizem que filho não deve morrer antes que os pais. Porra nenhuma. Quando meu pai morreu fiquei subindo pelas paredes como lagartixa profissional. Sou contra remédios calmantes. Quero a dor pública. Quero chorar lágrimas de esguicho como chorei esta tarde. (citações do Nélson Rodrigues.)
Reproduzo aqui uma poesia que o Poeta Laureado me enviou. Seu pai teria feito 88 anos em junho. É da Emily Dickinson. A tradução é minha, com uma ajudinha. E vida que segue, dizia o João Saldanha.
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The Bustle in a House O Ir-e-Vir em uma Casa
The Morning after Death A Manhã após a Morte
Is solemnest of industries É atividade a mais solene
Enacted upon Earth -- Executada na Terra --
The Sweeping up the Heart Varrer o Coração
And putting Love away Armazenar o Amor
We shall not want to use again Que voltaremos a usar
Until Eternity. Só na Eternidade".
Emily Dickinson
Zefa,que era igual à sua mãe, que só ligava para os tripudos, outra allumeuse, dizia: -- Meu netinho é uma graça! Achava que era casada com Nicolas. Quem sabe? Em sua honra estou rezando mais ou menos o rosário. Faz tanto tempo. A missa no Brasil e anúncio, não faço idéia. Temos muito que fazer. Por favor, uso a cara-de-pau da Gringolândia, façam uma doação singela que seja aos órgãos que pesquisam Alzheimer, este mal que esvazia a pessoa completamente.
Mommy e Gabi em 2002, depois da nossa derrota no Congresso.
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Salve Tina.
Um doença terrível, sem dúvida. Ainda bem que nos restam as doces memórias de nossos entes queridos. Qualquer dia destes vou postar sobre meu bisavô...
Abrax
Posted by: Defensor | 29-04-2008 at 11:55