Nas classes média ou média baixa o importante é comer e comer pratos cujas receitas são passadas de geração a geração, como se fossem a ambrósia dos deuses do Olimpo. Geralmente é o sistema odioso de "potluck" - cada um traz alguma coisa. Nós não somos da família criada aqui, sempre trouxemos os pratos de papel, copos de plástico e talheres de plástico.
O termo proletário, que quer dizer alguém cuja riqueza é a filharada, espelha a realidade de um dos meus primos. Dois seguidos logo que se casou, mais dois quando o casamento tava ficando chato. Ele tem um total de cinco netos e menos de cinquenta anos de idade. Seu irmão se casou com uma mulher que veio equipada com duas filhas e a irmã, minha prima que faleceu ano passado, teve três filhas. O sistema é de comer em pé ou sentado, ligada a TV na Fox, claro, mesmo que minha tia seja Democrata.
Neste potluck há a lasagna da mulher do proleta, da qual minha tia reclama todos os anos -- é mal montada, as camadas caem, a linguiça é inferior. Em suma: elas não se dão muito bem. Meu primo proleta oferece a casa.
Há sempre a famosa gelatina (para os mexicanos é feita com leite em formas com formato de peixe, pencas de uvas...) Ninguém poderia acreitar que algo tão simples como uma gelatina desse campo para discussão culinária. Realmente, dá. Minha tia tem uma receita de gelatina com camada de morangos(congelados) e camada de sour cream (como creme de leite) e pedaços de abacaxi de compota dentro da gelatina.
Não deveria ser difícil para a mulher do meu primo fazê-la mas é. Tirando a lasagna e uma salada de frutas com pedacinhos de marshmallow, sua contribuição é atazanar o resto da família e berrar a plenos pulmões, despeito o cigarro permanentemente colado aos seus lábios, o nome dos filhos menores e netos. A mulher do meu primo é dessas louras de olhos verdes, descendente de italianos e alemães, que era namorada de motoqueiro antes de fisgar o meu primo.
Minha tia trazia de Palm Springs o assado de carneiro, tradição grega, um presunto, um peru assado e todos os demais acompanhamentos. Decerto era um pot-luck de quase que uma pessoa só. Minha prima, que morreu ano passado de complicações de diabetes, ficou pobre, mas trazia seu apetite e humor bonachão, e as três filhas.
Nós trazíamos as bebidas também, fácil mas carinho se na última hora.
Então há carnes, já fatiadas e o resto escondido dos convivas, crianças correndo em uma casa de dois quartos, a Fox ligada, a mulher do meu primo gritando ameaças e há algum silêncio na hora da comilança. É a hora da hipocrisia. "Ah, esta lasagna está ótima. Que você fez diferente do ano passado?" "Umm, adoraria ter essa receita de salada de frutas." "A gelatina saiu meio mole este ano." "Nãoooooo! Está perfeita!!!"
"Ninguém vai comer as batatas doces com marshmallows e melado?"(candied yams) "Eu já provei, estão deliciosas." São as batatas alaranjadas de Santa Catarina, j. noronha. Mas estado nenhum do país tem mulheres tão bonitas como as gaúchas, será?
E as pessoas comem em pratos de papel reforçados para que possam suster a montanha de comida no prato. Rejeitada sempre é a salada tradicional. Bebemos pouco, fora o azucrinar constante da mulher do meu primo e o alvoroço de todos seus filhos e netos portadores de déficit de atenção, tudo é paz nas panças cheias morgando em frente da televisão.
Gabriela, tentei deixar um comentário sobre o seu pedido de mais tempo. Todos gostariam de ter mais tempo. O importante é o uso feito dele, pois Cronos foi um deus cruel. Lembre-se do seu pedido e não procrastine; isso é desperdício de tempo.
Satisfeitas as curiosidades dos meus dois comentaristas de hoje, a casa penhorada, sentido strictu, agradece. w1zard, bom reveillon aí na terra mais gelada que conheci. Não se esqueçam do melhor post de Natal, sobre a amizade ser e não estar de Augusto Yoh, aí dos pampas, também.
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