As vantagens do peso da idade, por Nicolas Rouquette
Se encarada friamente, minha idade marca mais de metade da minha vida e menos da metade a ser vivida. Tenho 55 anos, já tive várias profissões. A que experimento agora, há dois anos, é blogar. Vejo que blogo errado, com textos longos, sem informações de nenhum organismo periférico ao blog na margem, exceto o Flickr e o Technorati. Sei que leio e comento em vários blogs que não comentam aqui. Já pedi ao :mestre: Ph.D. para facilitar o mecanismo de comentários. tem que haver um jeitinho para eles passarem.
É uma pena que a idade seja um estigma no Brasil. Isto é fato. Em lugar da história do país reina a imbecilidade sem pique, enfadada por falta pura e simples do que fazer.
Lembro-me do horror de meus amigos ao ver que meu filho sabia cozinhar com ajuda aos nove anos. Minha mãe detonou empregadas por paranóia. Nós tínhamos o sivirol, tão em falta hoje, onde imperam o fastio, anorexia, bulímia, enfado, pais amiguinhos, presentes do consumo. Juro para vocês que nada como o trabalho para liberar hormônios positivos para a saúde. O trabalho doméstico pode ser feito com o iPod, se necessário.
Em suma, trabalho não mata. São o ócio e cultivo da falta de perspectiva histórica que fossilizam.
Onde está o humor deste post, Tina? Ora, pipocas, vivi grandes momentos da história nacional.
Quando era criança, Derci Gonçalves era um nome
sussurrado nas casas de bem. Ela era desbocada e condenada. Vivi em
tempo de ler o Febeapá do Stanislau Ponte Preta, o Millôr, Fernando
Sabino; ver a inauguração do
Aterro do Flamengo na revista Manchete, ler sobre os nazistas -- Onde
andará o "Anjo da Morte"? E o Mengele estava bem aí no Brasil. Me
plantar no jornaleiro para ler gibis proibidos, de terror, de
sacanagem, com olhar cúmplice do Seu Genaro. Comprar O Cruzeiro, Manchete e Fatos e Fotos. Correio da Manhã e Diári ode Notícias.
Vi os campeões da Jules Rimet na Praça Saens Peña, na Tijuca. O Salgueiro descer e desfilar só pra gente. A eleição
do Jânio, o comício na Central do Brasil. Escondidas de Mommy e Daddy,
íamos ver os seriados que até hoje são lembrados, como o "Além da
Imaginação", em inglês, "The Twilight Zone." Boris Karloff, Alfred
Hitchcock.
Joguei vôlei e ferrei meu joelho esquerdo para sempre. Engordei na
minha fase atleta, emagreci sem vômitos ou fome dos dezoito anos em
diante. Lembro-me do Tom e Sinatra, Andy Williams, do Oscar©
transmitido em inglês no rádio. Daddy reclamava do Johnnny Carson.
Realmente o Johnny Carson inaugurou a fase do show com piadas tão
losangelinas que nem sei como são traduzidas.
Sou do tempo do crime da Ladeira do Sacopã,
na Lagoa, dos playboys anos sessenta que "fizeram mal" a uma mocinha e
dos outros, na Lagoa também, que jogaram outra mocinha pela varanda,e mais outra, no Leblon,
Claudia Lessin Rodrigues,filha de um piloto inconformado, cujos
assassinos fugiram, da Fera da Penha, do incêndio do circo em Niterói
(foi o palhaço) por que a gente se lembra de crimes?
Vi o homem pisar na Lua. Vi as fotos da Laika e da Valentina no espaço
sideral. Yuri Gagarin e sua frase "A Terra é azul" que poderia ser
construída como paz é azul, pois são as mesmas palavras, MIR é paz e é
Terra.
Sou do tempo em que a bossa venceu no Carnegie Hall; do tempo dos
Beatles, que Daddy apostou não durariam dez anos. Dos Stones, caras de
ameixas ou não, estão aí.
Não
sei se viverei para ver um neto. Sei que vivi muito, de 1957 a 1985 no Rio de Janeiro, vi muito,
participei na vida nacional e isto ninguém viveu por mim. Não são
lembranças. São momentos pequenos na história nacional, gravados na
retina, quase como na fala final do andróide do Blade Runner. Clique que é lindo demais o que ele diz. Uma boa semana para vocês.
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Não tem continue reading. Tenho que tirar o :mestre: dos seus quefazeres para ver isso. Vocies podem comentar. Amanhã, logo mais, estarei de plantão para aprovar os comentários. Vamos estudar maneiras mais fáceis de aprová-los.
Posted by: tina oiticica harris | 13-11-2007 at 00:14
É Tina... estamos todos sempre crescendo no sentido do tempo, e o que importa nesta vida é viver!
Você ferrou o joelho esquerdo jogando volei? Eu ferrei o direito caindo da escada rs e é como canta O Rappa "se meus joelhos não doessem mais" rs
Gostei muito da primeira frase do texto.
beijos
Posted by: _Maga | 13-11-2007 at 05:46
Melhor post que leio por aqui nos últimos tempos. Quase poético, como o final de Blade Runner, que casualmente revi um tempo atrás. Aquela seqüência final, assim como o filme, tão cedo não terão páreo a altura.
Posted by: j. noronha | 13-11-2007 at 07:56
Obrigada, _Maga.
Super-obrigada ao J. Noronha, cujo espírito mal humorado faz parte de sua persona n'O Fim da Várzea. Que bom que você gostou. Volte mais vezes. Espero estar inspirada a gosto, com uns churrascos do Fogo de Chão te esperando.
Posted by: tina oiticica harris | 13-11-2007 at 09:18
Tina, estou contigo!
Sem dúvida que o trabalho é a melhor terapia para domar os adolescentes mais "efervescentes" e além disso, é um ensinamento que perdura sem efeitos secundários! Capacidade de organização, gestão do tempo e trabalho, sem dúvida das melhores heranças que se pode deixar um filho!
Beijinhos minha amiga
Posted by: Daniela Mann | 13-11-2007 at 10:53
Daniela:
Estava lendo o Los Angeles Times ainda agora. Além de matéria excelente sobre o Caetano Veloso e seu melhor disco "pauleira" desde sua juventude, o L.A. Times mostra que a dopamina, um dos potentes neurotransmissores estudados pela Nora Volk, é ativada quando exercemos atividades em benefício alheio. A dopamina age ativando a serotonina, ou seja, no combate à depressão. http://pt.wikipedia.org/wiki/Dopamina.
O intuito do trabalho não é só de domar a "efervescência", no seu ponto de vista. O trabalho serve para combater a falta de perspectivas, obsessão pelo peso, anomie. O trabalho estimula as endorfinas quase igual a uma relação sexual. É ótimo para todos. A depressão juvenil é um mal fruto do ócio e valores de consumo. Minha modesta opinião embasada pelo L.A. Times de hoje.
Beijos, querida e obrigada pela visita.
Posted by: tina oiticica harris | 13-11-2007 at 11:08
Ótimo texto. E sim, as pessoas estigmatizam por idade e por tudo mais. E, eu não sei se a idade é um peso, talvez uma carga - algo que se deve levar na jornada.
: )
Posted by: Barba | 14-11-2007 at 07:21
Peso ou carga, a idade carega consigo mudanças irreparáveis às vezes no sistema biológico do cerumano(obrigada, Damas) Estas são um peso, uma carga, às vezes um fardo difícil de carregar. Exemplo: esposas que são trocadas por garotinhas-poster. Ou homens super-tchã que viram homens-poft que nenhum Viagra dá jeito. Perdem o elã. Fora as perdas cognitivas, muito mais sérias.
Obrigada pela observação, Barba.
Posted by: tina oiticica harris | 14-11-2007 at 08:35
Importa mais o que a pessoa viveu, experenciou, curtiu, sofreu, se emocionou, aproveitou e se divertiu, do que efetivamente o tempo transcorrido. A idade está mais para um estado de espírito do que propriamente tempo transcorrido.
Excelente post :)
Posted by: Gabriela | 14-11-2007 at 16:01