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13-04-2007

Nos dias do Santa Pústula, por Nicolas Rouquette


Éramos três C.D.A.I. ( cu de aço inoxidável ) estudantes com aspirações acadêmicas.  Uma alemã, uma italiana e eu.  Fomos para o Santa Pústula, elas para o clássico e eu para o científico porque era conceituadíssimo, graças a trabalho de coordenação da temida dona Zeni e olho vigilante de uma freirinha com corpo de saleirinho barriquinha.

Assim passei para uma escola particular e perto da minha casa. O Instituto de Educação era longe agora, pra lá da Praça da Bandeira, a qual devia se chamar praça das enchentes.  O Santa Pústula era uma viagem a pé, não havia condução pra lá.  Minha família não tinha carro, em tradição que data dos meus avós.  As aulas começavam às sete da manhã.  Era caminhar num passo batido sem parar e às vezes subir a rampa a pé em vez de esperar elevador.

As meninas do clássico eram as bonitinhas e as lindas.  Só na adolescência, quando mulheres não precisam de pintura, é que as mocinhas apareciam às sete da manhã carregando o peso de rímel, delineador, sombra, base, pó e blush, laquê para segurar o penteado armado, de coques convolutos à praga do cabelo em camadas de heavy metal que se chamava então de "Pigmaleão 70" por causa da novela onde a Tonia Carrero usava esse penteado.

Filhas da alta classe mérdia, e estou as empobrecendo bastante, elas usavam interpretações do uniforme.  Os sapatos eram de verniz com fivelas, caros.  As meias tres-quartos eram de renda de crochê.  As camisas brancas eram Lacoste.  As saias cinza eram enroladas na cintura por baixo do cinturão até virarem abajour de xota.

Na hora do recreio todas fumavam.  Compravam suas merendas, queijo quente ou misto quente, na cantina.  Enquanto isso...

Eu odiava cigarro.  Usava o uniforme tal e qual e enrolava meu cabelo em volta da cabeça pra alisar, o que não adiantava de nada.  Falava em um português que elas não entendiam e anátema! trazia lancheira com sanduíche de atum e garrafinha térmica de leite com malte.  No científico de engenharia, onde só tinha mulher que dava medo até na mula sem cabeça, até que eu seria engraçadinha se me arrumasse um pouco.  Desde o ginásio ser desleixada no trajar tinha sido meu lema.  No Instituto de Educação isso me custou  uma parada na diretoria para costurar tod tipo de frufru no uniforme. No Santa Pústula só resultou no meu status pária: intelectualzinha de merda, sem dinheiro, sebosa, careta.

Foi Leila Diniz quem me puxou para fora desse inferno kármico, por assim dizer.  Sua entrevista no Pasquim e o filme "Todas as mulheres do mundo" foram um desafio para esta Oiticica.  Abandonei o sutiã, do qual nunca precisei e adotei o baixo calão.  Cortei meu cabelo a la Jean Seberg, curtinho mesmo.  Passei a ser "bonitinha apesar do cabelo curto." A glória: levei bronca da dona Zeni porque estava sem sutiã.

Não é desejo de escrever blog diarinho. A coletânea do Pasquim caiu no meu colo ontem, direto da Livraria da Travessa.  Ainda não abri.  Tenho :medo:

Em pouco tempo, em 1969, adotei o vício maldito: o cigarro.  A década terminava.  Com a década de 60 terminaram muitos sonhos, lutas, valores, entramos para a década metaleira, Led Zep, do pó, dos terroristas, do glam rock, mais ditadura militar e mais poseurs, agora na FAU-UFRJ.


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Comments

Ah Danilo!

Ahh Tina! Fazia um tempo que não lia um post seu...
Essa coletânea do Pasquim parece ser muito boa.
Um abraço.

Paula

Querida Tina, foi uma prazer imenso dividir minhas horas de trabalho com alguém tão inteligente e agradável como você. Espero que tenha melhorado da gripe, e que da próxima vez tenha um tempinho pra me falar um "oi" na loja. Seu blog é bem legal e edificante, e vou lê-lo sempre. Um grande beijo, Paula - Aeroporto (HS)

Paula

Querida Tina, foi um grande prazer passar minhas horas de trabalho com alguém tão inteligente e interessante como você. Espero que tenha chegado bem e que sua gripe tenha melhorado. Seu blog é bem legal e edificante, estarei sempre aqui!
Da próxima vez, não se esqueça de passar na loja para me dar um "oi", ok?
Beijo, Paula

maria

Tina, fantástica descrição. Por aqui nada de muito diferente. Também sou filha dos anos 60, o cigarro também tardou, as reprimendas escolares foram mais que muitas. Ainda hoje revejo alguns comportamentos na geração nova que cabem na tua descrição. O problema das aparências, a criação de identidades, o nascer da irreverência ou o suave low-profile (até ao dia).
Bom para ler, este post, ao meu filho. Comentário vai ser: afinal não é só a mãe...

natália

Esse post lembra um pouco eu mesma. O tempo passa e as pessoas não mudam mesmo. As adolescentes riquinhas continuam as mesmas, mas com roupas diferentes, digo, as blusas continuam sendo da Lacoste.

E o cabelo da Jean Seberg é quase tão clássico quanto o da Mia Farrow.

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