Josephina, Zefina, Zefa, Jo, por Nicolas Rouquette
É necessário um espermatozóide e um óvulo para produzir uma criança. Cada ser humano é sui generis. Difícil começar um post sobre Mommy, que completa 87 anos hoje. Não mais difícil que nos gerar. Quê não foi difícil na vida de Mommy?
Não era a primogênita. Não era a favorita, exceto de sua vó Freirinha. Passou parte de sua infância em internato, Santa Dorotéia, em Fortaleza. Sempre foi desorganizada, misturava meias, goiabada, biscoito, bonequinhas de trapo, tudo sob a cama, em uma caixa de sapato. Conseqüentemente, seu nome vivia na boca do dragão que a santa esmagava. Mommy se injuriou e num esforço titânico --que nordestina é cabra macho -- conseguir ir parar nos braços da Virgem Santíssima, ao menos por um mês.
Finalmente, foi para a fazenda, no Riachão, Alagoas. Morria de medo de cobras, Freud explica, conta sempre da coragem do seu irmão José, meu tio Dedé, que matou a cobra e mostrou o pau. ( O outro pau, nunca teve melindres de mostrar às mulheres que caíam na sua lábia.) Até desenho Mommy fez de seu irmão mais velho com o pau que matou a cobra, um pau enorme. Eram cobras dágua; vi eu mesma uma quando visitei a fazenda.
No Rio de Janeiro a vida da família não foi muito fácil. Vovô era getulista, seu irmão Luiz integralista, Cajuza anarquista, Manelito mullherengo, médico, Álvaro, médico sossegado. Tia Pequita perdeu tudo quando seu marido morreu diabético nas Alagoas. Vovô era o mais velho dos irmãos, desdobrando-se por eles com uma banana bem traçada para minha avó. Nunca moraram em casa própria, nunca foram pra zona sul. E pior, com as trapalhadas do Supremo Tribunal Federal, em que Chiquito não condenava ninguém, ele acabou de volta ao Acre, foragido da fúria do Filinto Müller.
Depois da minha mãe havia mais quatro irmãos. Dois tripudos em total, um em cada ponta, os queridinhos da sua mãe, como dizia também; as cinco moças no meio. A luta pelo banheiro era infernal. Tia Olguinha passava uma hora cantando Francisco Alves no banho. Era linda e desocupada; não ligava para a exasperação das outras quatro irmãs. Uma casa de altos e baixos na Vila Campista, com cinco moças, às quais os seresteiros vinham cantar. Noel Rosa, figurinha fácil.
Dona Josephina não gostava de dança: não bebo, não fumo, não nado, não danço apertado. Passava sua mão na horizontal entre ela e o parceiro. Era a distância regulamentar. Acabava tomando chá de cadeira. Qual rapaz não dava uma atochadinha na época do swing?
Gostava de ler. Estudava por gosto. Se não era popular por ser geniosa e magricela, ao menos era estudante exemplar. Era feiosa, para os padrões brasileiros de então --mulheres fartas de carnes. Mommy era a falsa magra, peituda contudo magricela. Na época do desterro do vovô ela dormia na água furtada, com frio, tosse. As compras de comida foram feitas a fiado durante nove meses, um parto. Mommy foi para as montanhas, com suspeita de tuberculose. (Segue amanhã.)
Mommy já com cabelo, depois do ca. '04
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Um abraço pra mãe
Posted by: Cineasta81 | 28-02-2007 at 09:16
Que post tão lindo! Existe sempre um encanto muito grande nestes relatos biográficos, são fascinantes! Um abraço apertadinho para a sua mãe.
Posted by: Daniela Mann | 28-02-2007 at 10:45
Que história gostosa sbre sua mãe!
História. Algo tão importante e quase sempre esquecido por nós...
Beijos
Posted by: Lívia | 28-02-2007 at 11:05
Coisa bonita seus esses seus posts familiares;)
Posted by: Ed | 28-02-2007 at 11:52
Lembro de um e-mail que você me mandou onde dizia como era ruim ver sua mãe doente, afinal ela sempre foi muito forte. Como ela está agora? Melhor, espero!
=*
Posted by: natália | 28-02-2007 at 14:18