A mulher do pescador, por Nicolas Rouquette
Não contei que meu PowerBook G4 fritou, né? Fez um fffzzzz como ovo na chapa. Em inglês há um verbo onomatopaico, "fizzle" que aprendi com uma professora de inglês velhinha cheia de vida ex-corista. Ela ensinava "I love Paris." Na letra, as estações do ano têm drizzles, para aquela chuvinha fina e chatinha e sizzles. Nicolas disse que ele fritou cinco computadores enquanto vivia sua saga de doutorado em ciência de computadores. Finalmente reparei o quê me impedia de logar. Vamos à estória e um tempinho para reflexão. Li esta história em português, depois em inglês, e finalmente em um livro para terceira/quarta séries primárias, em espanhol.
Havia uma vez, há muito tempo atrás, um pescador magrinho, com bigodes longos e finos, um pobretão, cuja palhoça estava fincada na beira de um abismo em face do mar. Os ventos açoitavam a palhoça por dentro e por fora. O pescador e sua esposa mal tinham o que comer ou como encontrar proteção do tempo inclemente.
Um dia, o pescador já com a vara de pescar imersa no mar, contente de estar trabalhando e longe de sua mulher, sonhava ele com um peixe bem grande, como um super-badejo, para que a pesca rendesse mais que uns parcos caraminguás. A mulher, um ser disforme, insolente, vociferante e de má índole, andava pra frente e pra trás dentro do casebre, praguejando contra tudo e todos.
De repente, entra esbaforido porta a dentro o pescador.
-- Mulher, mulher, um peixe encantado apareceu na rede, com coroa e tudo. Prometi deixá-lo livre, é rei, afinal, e ele me concedeu três desejos. -- O pescador tinha sua voz entrecortada de emoção.
--Você é um idiota, como sempre, eu sempre falo e você não adianta, continua a ser idiota. -- A mulher aproveitou e pespegou uns petelecos no pescador e puxou-lhe os bigodes.--
Acalmada agora, perguntou ao marido como era para obter os desejos. Era fácil, só chamar o peixe, que o pescador era quem tinha que fazer, e aí fazer o pedido. Antes de dizer --é fim de semana, quero transar-- o pescador já tinha chamado o peixe-rei e a mulher comandado:
--Quero ser o mandarim imediatamente abaixo do Imperador e ter uma habitação a mais suntuosa.-- Disse e bateu palmas. O peixe curvou-se e o casal foi transportado para uma habitação suntuosa e a Marvada para o conselho do Imperador, com o título de Mandarim.
Assim passaram uns meses. A palpiteira não se conteve. Quis mais. Chamaram o peixe, o céu estava escuro, relampejava, o desejo da megera foi satisfeito: ela tornou-se Imperadora de todas aquelas terras, com poder absoluto até além do infinito.
Um ano depois ela andava de um lado para outro do salão de audências do Império. Levava um tempão, porque além de suas banhas farfalhantes ( obrigada, I. ) tornarem seu esforço hercúleo, o salão era enorme tembém. Ela, a mulher do pescador ruminava. Antes tivera ruminado pasto que idéias toscas.
Lá veio o peixe, entre vagas do oceano que chegavam até a janela do Império. O céu, negro, carregado de nuvens plúmbeas, iluminava-se como se fosse povoado de celulares em show de rock. Relâmpagos e trovões dariam medo a qualquer um menos a Fulana esposa do pescador.
Declarou em alto e bom tom:
--Nada disso de ser imperadora, só. Não quero nem fronteiras nem nada de limites. É como falou o Raulzito Seixas em "Gita" -- Quero ser o princípio, o meio, o fim.-- Peixe, atenção: quero ser Deus!
A tempestade a tudo e todos encobriu. Pareceu interminável. Ao fazer-se bom o tempo, cadê palácios? Imperador ou mandarins, todos desfeitos, talvez quimeras. Pescador e Fulana de volta para seu casebre miserável.
Moral da história: Quem tudo quer, tudo perde, macaco não come mel, quando come se lambuza, como ousa o humano querer ser Deus?
Será que sou absolutamente minoritária entre os bilhões de humanos em minha insatisfação na vida? Poderia justificar dizendo que estou deprimida. Peraí: então estou sempre deprimida? Quando digo que quero morar em um quartinho com vista, meu som, escrivaninha e livros seletos, poder ver o jardim e só, sou eu uma voz solitária nesse desejo de ser dona absoluta do meu espaço enquanto viva? Sou o único ser insatisfeito no planeta?
Tenho a impressão de que a insatisfação permeia o humano. Sem a insatisfação, teríamos deixado o fogo pra lá. Estaríamos até hoje nas cavernas u.u.u salivando em ossos, as mulheres com seus infantes pendentes aos seios.
Aliada à insatisfação humana está a curiosidade. Não há maior mal pra cuca que falta de curiosidade. É por isso que brinco sobre minha geração --Ah, os Beatles! -- Tem muita coisa boa e nova por aí, principalmente gatchinhos como o Billiie Joe Armstrong. Ou a Gwen--essa eu passo.
E a preguiça? É ou não é a mãe das invenções? Sem a preguiça não haveria a roda. Aliás, está sendo determinada uma lei deste país predador, o meu, para reduzir a emissão de gases nocivos. Depois a realeza esquerdóide hollywoodiana diz que não há diferença entre os partidos e vota no L-O-S-E-R Nader e o I-D-I-O-T ganha a eleição de 2000. Parece que os efeitos da vitória democrata já se fazem ver.
Vejam bem: a insatisfação, a curiosidade e a preguiça são todas biblicamente castigadas; são castigadas até nas mitologias diversas. É ou não uma dicotomia nossa de alimentar estas "falhas" enquanto dizemos nos dias de culto que são "pecados"?
Qual é a moral da história? Há que refletir sobre a sabedoria popular. Pode ser que não esteja tão certa assim. Por mim, mesmo sofrendo, que sofrimento faz parte do ser Botafogo, digo: Viva a insatisfação, viva a curiosidade (de Psiquê ) e viva a preguiça, que nos faz inventar e sonhar.
Bom domingo.
Tina com um de seus bonés,um colar grã-fino da Vera Simões, presente, claro, à escrivaninha do seu pai, em seu escritório de 7 metros quadrados. Santa Monica, 17/12/2006
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Não quero ser Deus, mas uma divindade menor, que ganhe 24.500 reais os quais eu mesmo pleiteie e vote ganhar. Achei (sem querer) o tal vídeo do Rammstein, e ainda por cima legendado. Coloquei no RA, e ainda rendeu um textículo. Saudades, e beijo.
Posted by: Eudes Honorato | 17-12-2006 at 17:16
Olá, Tina. Adoro seus textos, linguagem phoda.
E que foto legal. Hah!
Abraço.
Posted by: Ed | 18-12-2006 at 05:08
Ficou linda na foto!
Beijinhos Tina
Posted by: Daniela Mann | 18-12-2006 at 17:40
Oi TIna! Vim aqui dar uma visitadinha. Eita, tô achando até que vc vai gostar do meu presentinho!
E eu, sou outra eu...hehehe.
Bom, não se esqueça do endereço completo para mim.... ok!
Preciso mandar essa semana e o endereço que vc mandou tá sem cep, zip ou seiláoque.
Beijos
Posted by: Sua amiga secreta! | 19-12-2006 at 11:05