A Impiedosa , por Nicolas Rouquette
A mãe e a morteA mãe vigiava zelosa seu filho, que ardia em febre. Passava-lhe panos úmidos para que diminuísse a febre, para que estivesse mais confortável. Noite a dentro, o jovem gemia e falava frases entrecortadas e incoerentes.
A mãe, seu coração soluçando, seguia o tratamento mandado pelo médico enquanto rolavam em seus dedos as contas esféricas de madeira a marcar suas preces ao Criador.
Com a alvorada, em um instante em que a mãe dormitou, entrou pela janela a Impiedosa. Acordou de sopetão a mãe, aos uivos desconsolados da loba que perde seu filhote. Saiu correndo atrás da Morte, descalça nas trilhas de neve, pedindo por seu filho até perder de vista Aquela que lhe roubou seu tesouro mais precioso e seu tesouro, envolto nos braços d'Aquela que decide quando não seremos mais.
Continuou sua busca esta mãe desconsolada quando se deparou com um mato cheio de espinhos, de mais ou menos um metro de altura, com flores pequenas e vermelhas. Era o que chamamos no Brasil de coroa de Cristo. Era intransponível. De repente ouviu uma voz:
--Sei o que queres e te ajudo. Tens algo que me agrada. Dá-me teus cabelos e te deixo passar. -- Era o mato de espinhos.
A mãe nem pensou duas vezes e deu-lhe seus cabelos longos e negros como o azeviche. O mato abriu uma brecha e lhe cedeu passagem.
O frio agora cortava como navalha seu crâneo despido de pelos. Os cabelos longos haviam servido de abrigo para suas costas também. Seu desespero determinado a fazia prosseguir. Chegou a um lago. Como atravessá-lo?
--Você tem algo que me interessa muito. Seus olhos. Dê-me seus olhos e você chega na minha outra margem. Os que procuras estão lá.
A mulher não media sacrifícios para trazer de volta dos braços da Morte seu tesouro, seu filho único, ainda adolescente, seu futuro. Sua luz.
Chegou na outra margem com as pálpebras vazias, tateando, indo atrás de sua caça pelo faro. Parou um instante, depois de muitas léguas, para tomar água em um poço. Pressentiu que não estava só. A Morte dirigiu-lhe a palavra:
--Parabéns, vejo que é valente. Que quer?-- Sua voz cortava como navalha.
--Quero meu filho. Meu filho. Devolve meu filho, por favor. Ele mal viveu, tem um futuro pela frente. Me dá meu filho. Por caridade.-- A pobre mulher estava se arrastando de joelhos perante Aquela que é Inexorável.
--Você diz que quer seu filho. Antes que o dê para ti, vou te emprestar teus olhos. Poderás ver no fundo deste poço o futuro do teu filho. Aí decides que queres. Verás qual é mais sábia: a mãe mortal ou eu, que não tenho princípio nem fim. Toma teus olhos. Eu era o lago.
A mãe olhou para o fundo do poço. Viu seu jovem filho crescendo, forte, depois metido com outros jovens de má índole. Roubava e matava. Fazia mal às mocinhas da região. Horror tomou conta da mãe. Não quis mais nada ver. Gritou do fundo do seu ser sacrificado:
--Leve-o, leve-o! Quê pode o coração de mãe com os desígnios do Criador?
Encontraram a mulher no dia seguinte, morta, abraçada ao seu filho, morto também, envolto nos negros e longos cabelos da sua mãe.
Adaptado de memória de um conto do Hans Christian Andersen
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Wow! Bom, no mínimo perturbador o conto. Sou filho, não sei o que é ser mão, mas já vi (e ainda vejo) o que uma mãe pode fazer pelos filhos, é mais ou menos isso mesmo.
Posted by: Eudes, O Norato | 19-12-2006 at 17:29
Saudações Tina!
Nossa, que texto EXCELENTE! simplesmente perfeito. Adorei a mensagem profunda encerrada nele que me fez refletir sobre os desígnios do Criador.
Parabéns!
Posted by: Defensor | 20-12-2006 at 08:58
Tina, voltei. Gostaria de sua permissão para reproduzir esse texto em meu blog qualquer hora destas, com a devida citação da fonte, é lógico.
Abraços
Posted by: Defensor | 20-12-2006 at 09:01
Um final de grande significado! Chorei!
Beijinhos querida
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Posted by: Daniela Mann | 20-12-2006 at 16:28
Tina, é muita coincidência, mas escrevi sobre a morte ainda essa semana!! (Tudo bem que uma morte mais pop, mas ainda assim trata-se da Ceifadora...)
A propósito: lindo conto!!!
Posted by: Cláudio Vianna | 20-12-2006 at 18:57