Estava contente que aquele chato tinha cancelado sua aula. Podia sair mais cedo e é o pássaro que madruga o que melhor petisca, como dizem os gringos anglos. Maldisse para si mesma sua mania de gastar dinheiro em roupa de griffe. Ah, dane-se. Enquanto pudesse usar os vestidos jeans com strass da Yes, Brasil tinha que aproveitar. Quase começou a cantarolar "You Only Live Twice," conteve-se; a tempo emendou em "Live and Let Die."
Não usava maquilagem exceto pelo batom. Um Fagner rolou em sua cabeça, "Como era muderno seu batom, batom..." Segundo disco, o melhor, Ave Noturna, com parcerias do Fausto Nilo, Petrucio Maia, nada de começar a pensar no Fagner, uma coisa leva a outra e a outra é... foi... nunca mais.
Batom vermelho, sapatinho de boneca, uns chineses comprados em Chinatown, NYC por cinco dólares, foi pegar um táxi. Táxi na sexta, uma droga. Pegou o velhinho ex-combatente da Segunda Guerra Mundial. Yuna desconfiava que era a Primeira. O Vascaíno surdo, tadinho. Taxímetro malhado, não tão tadinho assim. Yuna nem ia discutir que sabia o preço da corrida de Laranjeiras ao Diagonal. Pagou.
Sentadinha à mesa, esperou a muvuca de sempre quando um cantor famoso em seus dias, Morfeu Proença, brigava pela sua mesa. Yuna havia levado um tempo para se acostumar ao só ser, ao clube do eu sozinha. Agora não tinha mais bronca ou medo. Rio de Janeiro não era NYC ou outra metrópole democrática. O ranço chauvin imperava ainda. Estava melhor que antes, decidiu. Tentou contato ocular com um dos ... Todos a conheciam de quando... Carambolas!
--Oi,Yuna, posso me sentar com você? Não tem mais mesa vaga.--
Putz. Guto. Gataço imprestável. Nem pensão alimentícia para uma pobre professora particular de inglês. Escrotinho.
--Ué, Guto, por quê você não pede para a Eva? Ela te seduziu, que te leve para a puta que a pariu.-- Pensou em acender um cigarro. Tinha parado de fumar tabaco.
--Yuna, você sempre espirituosa.--E Guto puxou um cigarro Malborough.
--Que que é isso, homem, fumando?-- Yuna estava tão surpresa que não se deu conta: Guto estava aboletado à sua mesa, fumando, sim.
--Ela me deixou, Yuna, me deixou. Fiquei assim, arrasado; estou fumando. -- Ao contar seu drama, Guto deu um bater de pálpebras digno de Meryl Streep no "A Mulher do Tenente Francês."
À merda com esses olhos cor de mel, Yuna pensou. Jurava que se daria uma chave de coxas e não se renderia ao ex- . Nem esta vez nem nehuma vez. Ouviu sua voz, sua própria voz a indagar:
--Guto, larga desses cigarros. Você não quer apertar unzinho lá em casa? -- E parou estatelada frente à realidade da casa não ser mais deles mas dela.
Um silêncio desconfortável, o garçom, o pedido de sempre: tornedor com arroz à cubana, para ele, filet com palmito para ela. Sangrando. O filet.
Trocaram novas sobre o novo disco do Guto, "Nu ao Luar". Francamente, pensava Yuna. Guto falava, falava, nem era com ele a realidade dos fatos consumados. Realidade era um conceito alienígena. Disse que ela estava sexy. Yuna ficou vermelha da cor do batom.
Descartou a possibilidade. Transa com ex- não dá certo, todo mundo tinha dito isso antes. Que sabe "todo mundo"? Uma outra voz dentro de si perguntava. Que raios de olhos desse homem, que gato, que droga. Já o tinha chamado de imprestável? Já, seu repertório estava reduzido.
Comeram, ela pagou a conta. Músico não tem dinheiro, tem conhecidos de montes. Era uma procissão de músicos a parar à mesa deles para falar com o Guto sobre seu disco "Nu ao Luar." Guto entusiasma-se e mente. Diz que o disco foi feito em homenagem a Yuna. Em cinco minutos o Diagonal inteiro sabe que o casal vai voltar. Menos Yuna.
Dão um tchau pro Severino. Vão saindo do ti-ti-ti do Diagonal para um cafezinho na Pizzaria Guanabara. Racham a corrida de táxi. Ele mora perto de Laranjeiras. Elogia as fivelas de strass do vestido de brim da Yuna. Brinca de enfiar seus dedos longos de pianista por dentro das fivelas. A chave de coxas de Yuna está fraca. Ele insiste, ela desiste.
A mulher tem sempre a última palavra:
--Amanhã você vai embora, ouviu, Guto? Vai, m-e-s-m-o. Aahhh... Minhas fivelas, seu merda.
No rádo de antanho toca uma canção portuguesa, "Teus Olhos Castanhos", com Francisco José. Sorte que estão perto. Pertinho.
Moral da estória:
Sempre disse minha avó, portuguesa via Acre.
O homem é um diabo,
não há mulher que o negue.
Toda mulher procura
um diabo que a carregue.
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