Aula particular de inglês, por Nicolas Rouquette
Batia com os pés a medida que andava impaciente de um lado para outro da saleta.
Nunca havia saído de apartamento quarto e saleta. No máximo, varandinha com baratão voando de novembro a abril. Varandinha fechadinha por causa de baratão.
Este tal de Rodrigo García estava atrasadinho. Mordeu o canto da unha do indicador direito. Um pouco de pinimba da folga desse Rodrigo.
Dar aula de inglês, ainda mais particular, dava nisso. Era escravidão. Tinha saída? Pelo menos a noite gótica, de rock com suas amigas gay. Tocou a campainha, livrando Yuna do tormento da espera.
Quando entrava na casa da professora Yuna o Rodrigo sabia o quê esperar: um cafezinho e água gelada, a professora contida, experta no assunto e distante. Sempre se indagava qual era a dessa Yuna. Nunca tinha cismado de ir a fundo nos assuntos particulares, tinha ficado tudo por isso mesmo.
Yuna aproximou-se. Estava vestida com um desses vestidos do verão passado. Justo e com alças espaguetti. Ué, que nunca havia usado alças espaghetti. Nenhum dos dois quis comentar sobre as alças espaguetti. Nem Yuna para dizer ao Rodrigo que apreciasse o resultado de sua plástica de seios. Nem Rodrigo pra lhe dizer que gostosa que estava.
A aula começou durante uma tarde-noite longe do ruído do trânsito do Largo do Machado. Yuna ligou seu companheiro, o manjado e barato modelo clássico do gravador cassete. Negro, um prisma retangular do tamanho de uma folha de caderno de estudante de 8-12 série, botões básicos. Iam ouvir e discutir uma das cenas de "Um Bonde Chamado Desejo." Tennessee Williams é obrigatório. Era o quinto aluno que tinha sobre a peça. Pena que não desse aula de português: daria aulas sobre Macau, do Paulo Henriques Britto.
Yuna suspirou fundo. O inglês do aluno não era fluente de maneira que ele compreendesse a cena entre Blanche Du Bois e Stanley Kowalski e visse com os olhos da imaginação o momento em que Stanley Kowalski viola Blanche e ela pira de vez. Vamos lá, ela pensou.
--Tell me what you see happen in this scene. It's important to tell me what the scene shows you. Suspirou e esperou. Batata o que ele ia dizer sobre a cena. Lá veio batata quente direto do forno do besteirol. Começou a bater um pé, de leve, de impacência.
Rodrigo estava confiante. Detonou:
--Oh, weill ,you are seeing, it is easy. I understand everything, you know? I feel everything. It's in my blood. Brazilian.
Yuna não podia revirar os zóínhos mas revirou os dois. Rodrigo seguiu adiante, entusiasmado.
--You see, Blanche starts tallk bad stuff to Stanley Kowalski, he gets mad. He's angry a lot. The lights on stage shake, the light shake, understand?
Yuna sacou que ele boiou totalmente na interpretação do significado das luzes no clímax da peça.
--Stop there.-- Ela mandou. Pô, tava era quente.
Os dois de pé como se assim fosse menos quente.
--Rodrigo, listen. Blanche is throwing herself at Stanley, right? -- E Yuna imita a linguagem corporal da Blanche
--Rodrigo! Attention. Blanche is Stanley's sister-in-law -- E as mãos de Yuna faziam gestos no ar insinuando a palavra tabu daquela tarde-noite de aula particular inaugurando vestido de alça tipo espaghetinho.
Rodrigo sente-se atraído como a cobra do indiano tocando flauta. ( Essa Yuna até bunda Ferrari tem, pensou)
Rodrigo jogou um verde:
--Please explain me... Ela cortou rígida. --Explain to me, Rodrigo.
Rodrigo insistiu:
--Explain to me, please, please please...
Ela explicou o estupro em inglês, ele ficou a ver navios. Ela desistiu, estava a fim da noite:
--Rodrigo, listen, o Stanley Kowalski violou a Blanche Du Bois. Por isso as luzes tremem e apagam.
Rodrigo, muito confiante--mas que calor da pega, sô, vai para a parede, brinca com a luz e pergunta:
--Assim, é?
Ela respira, é assim, assim. Ele se encaminha para ela, assim, assim, é assim...
Cortina

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Saudações Tina!
He, he... lembrei de minhas aulas de inglês, que não chagavam a ser exatamente uma escravidão no mau sentido. A 'fessora era uma gata...
Abraços
Posted by: Defensor | 28-11-2006 at 02:45
Volta e meia aparece cada um! Este aluno que descreve é o que mais me faz sorrir, o tipo convencido que formula opiniões muito concretas acerca daquilo que não sabe, é demais!!! LOLOLOLOL
Posted by: Daniela Mann | 28-11-2006 at 05:27
Não! Pára! Não! Pára! Não para, não para!!! hauehuahueha... eu jurava por muito tempo que era PINIMA e não PINIMBA, agora op estrago está feito, o jeito é usar PIRRAÇA mesmo. Beijos.
Posted by: Eudes Honorato | 28-11-2006 at 05:33