Caminhando contra as folhas secas outonais, por Nicolas Rouquette
O velhinho caminhava com seu casaco apertado contra seu peito, os ombros arqueados, mas isso não era a idade, sempre tinha andado curvado assim. Seu chapéu de abas largas caía sobre seu rosto. Só de vez em quando levantava seu rosto, onde olhos azuis inquisitivos, penetrantes, lindos ainda, vasculhavam alguma esquina da paisagem. Gostava do som das folhas no chão. Gostava do chac-chac que faziam quando as pisava. "Ei, moço do pandeiro..." Alguém já havia escrito isso antes. Atravessou a rua. Tomou um picolé.
Foi boa a providência de ter trocado os dentes de cima. Os implantes eram o máximo e menos uma parte do corpo para lavar. Não gostava hoje e nunca de tomar banho. Não adianta pedir perdão, que diferença faria... Mas que diabos, alguém também escreveu isso. Me detesto por te amar; vou me recuperar disso.
Sua cabeça era um fervilhar de idéias a rodar em rimas. De onde vinham essas canções, essas letras. Que você fique para sempre jovem. Um nome pairou em sua cabeça: Jakob. É, com a letra K mesmo. Sumiu. Apareceu Sarah. Sumiu.
Pensou se poderia agora tomar algumas aulas de teclado; a artrite tinha tomado conta e aleijado suas mãos. E gaita? Será que não? Uma vozinha lá dentro meneou sua cabeça: não. Violão já sabia que não também.
Tentou cantarolar uma melodia do tempo do onça, dos anos sessenta, dos protestos, contra um das várias bombas desde então. Sua voz, sempre anasalada e roufenha, saiu roufelha. Perdia a pose mas não perdia a piada. Pérolas e anfetaminas, corrente do pensamento, beat, pop, rock.
Atravessou a rua sem pressa, perdido na multitude de pensamentos que o assolava. Um carro. Um jovem alegre. O velhinho bateu com sua cabeça no meio-fio. Já era.
--Chamem uma ambulância! Não vi, ele estava assim como quem não quer nada, não vi, vinha a quinze.
A polícia, a organização mais adiantada do planeta em 2030, chegou. Puxaram a carteira do velhinho. Olharam-se atônitos. Eles mesmos estavam perto da aposentadoria. Os olhos azuis estavam abertos embaixo do chapéu de abas largas. Fixos.
--Ô moleque, sabe quem você atropelou? Bob Dylan, Bob Dylan, Bob Dylan.
Como em passe de mágica o jovem fugiu da cena aos gritos:
--Velho não merece vicer! Velho não merece viver! Velho...
E deu com o carro em um poste. O choque causou imediata explosão.
Moral da história: Finito é o homem. Não há mal que sempre dure ou bem que nunca se acabe.
Para post sobre o show do Dylan este sábado ou então
Post continuando série sobre film noir Exceto pelo Anarchic Universe, os outros, después.
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"Somos todos mortais". É, então é melhor realizarmos boas obras nesta breve passagem pela Terra.
Abraços
Posted by: defensor | 24-10-2006 at 08:39
spam seu eu aceito, minha flor!
só não me venha oferecer liverjoice pra emagrecer dormindo, tinicica!
vou ver dereitchínho...
mas ó, vê se me manda todos os endereços certinhos... tem um em inglês, um em português, um blogspot? certo? manda-me um e-mail.
isso, vamos conversar à la e-mail.
Posted by: joyeux | 24-10-2006 at 11:39