Geração perpétua, por Nicolas Rouquette
A mãe foi abandonada pelo marido em troca de 35 mil dólares pagos pela sogra há cinqüenta anos atrás. A filha do canalha é a cara dele. A mãe empurra os dois filhos seguintes de outro para a filha tomar conta. A mãe encara uma caixa de supermercado com desvios de carne uma vez ou outra.
A filha se droga. Casa e ambos se drogam. Têm duas filhas. Ele se vicia em crack. Torra o dinheiro do casal no dia do pagamento a não ser que ela arranque o cheque do caixa da firma antes do marido.
A filha vende drogas pra faturar e para se drogar. Um dia ele volta para seu estado natal. Ela leva uma batida da polícia. Perde a casa subsidiada pelo povo. Pega um ano. As filhas são crias das gangues locais. Sai da cadeia, volta a vender drogas e a se drogar. É presa de novo. E de novo.
Hoje falei com esta mulher, que se droga sei lá, desde os anos sessenta, que ainda ama o marido, que está no hospital, diabética, com problemas de coração, rins, pulmões, asma...
Para mim, o pior foi ouvi-la culpar a mãe por seus problemas e confessar que ainda ama o marido, que já casou duas vezes. Tenho uma amiga que diz que depois de uma certa idade, esta a critério de vocês, a gente perde o direito de culpar os pais.
Tenho a impressão de que depois de uma certa idade a gente deveria ter condições de superar os estragos que fazem os pais, sempre com as melhores intenções do mundo, e a gente deveria gerenciar nossas vidas, e acabou-se.
Nesta geração perpétua que apresentei, a caixeira de supermercado decidiu comprar o amor dos filhos com bens materiais; nunca discos ou livros -- artigos de shopping center. A caixeira tinha ódio da infância e juventude miseráveis durante a Depressão e depois.
Sua filha também seguiu o mesmo caminho: a venda de drogas possibilitava a compra do afeto das filhas e enteada com mil presentes de shopping center.
Não existe culpa ou dedo em riste aqui. Somente um relato, uma estória que ouvi. Aí tem gente que não sabe por quê não saio mais de casa. Emily Dickinson e eu, sempre em casa, só que ela foi uma grande poeta. E este poeta inglês escreveu uma poesia exatamente sobre o que narrei. Já tive a tradução, feita pelo Paulo Henriques Britto mas a perdi.
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Culpar alguém sempre é o caminho mais fácil. Matou a família e foi ao cinema pq o pai nunca o levou para assistir os Trapalhões. :P
Posted by: Eudes | 10-09-2006 at 07:38